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Gianni Ratto: o mais influente cenógrafo do teatro brasileiro

Um mestre italiano que se revezou entre duas culturas


Gianni Ratto (1916 – 2005) é reconhecido como um dos mais expressivos coreógrafos e diretores teatrais dos séculos XX e XXI no Brasil e na Itália. Em Gênova iniciou seus trabalhos com o arquiteto Mario Labô. Teve que interromper sua produção artística, pois foi convocado pelo exército para a Segunda Guerra Mundial. Após o final do conflito, em 1945, com Giorgio Strehler, que havia conhecido nos campos de batalha e Paolo Grassi, fundou o Piccolo Teatro de Milão, para o qual criou soluções de cenários adaptados a um espaço muito pequeno, em várias montagens importantes tais como: Ralé, de Máximo Gorki e Arlequim Servidor de Dois Padrões, de Carlo Goldoni. Outro destaque cênico de Gianni foi o espelho de água criado para A Tempestadede William Shakespeare, apresentada a céu aberto no Jardim de Boboli, em Florença.

 O verdadeiro reconhecimento profissional de Gianni Ratto dentro do mundo teatral de Milão se deu quando foi convidado para projetar os cenários e os figurinos da ópera La Traviata de Giussepe Verdi, no Teatro Alla Scala, em 1947. Esse foi o seu maior desafio. O palco era completamente diferente dos que estava habituado a trabalhar, com uma boca de cena de dezesseis metros por dez de altura e vinte e cinco metros de profundidade, sem contar com os cinco metros de profundidade do urdimento.  Após muitas leituras e pesquisas, concluiu que deveria utilizar aquarelas para compor os cenários, técnica que ele dominava e passou a ser sua linguagem artística. Graças a esse enorme sucesso, Gianni permaneceu por mais 7 anos no Teatro, inclusive como seu vice-diretor para montagens cênicas por dois anos.
Ainda na Itália, Ratto trabalhou com Igor Stravinsky - para quem fez o cenário da estreia mundial de La Carriera di Un Libertino, além dos cenários e figurinos para a estreia do ballet Pulcinella, em Milão -, entre tantos outros artistas dos mais variados gêneros, da lírica, à comédia ao teatro de revista.


Gianni também era figurinista. Abaixo vídeo sobre Figurino, feito por Sesc Consolação, na mostra Gianni Ratto – 100 anos. 

O seu trabalho no Brasil
Em 1954, Gianni Ratto chega ao país, convidado pela  atriz Maria Della Costa e pelo empresário Sandro Polloni, para atuar como cenógrafo e diretor do espetáculo O Canto da Cotovia, de Jean Anouilh, que inaugurou o Teatro Maria Della Costa.
De acordo com relato da pesquisadora Rosane Muniz Rocha, em sua dissertação de mestrado: “A trajetória de Gianni Ratto na Indumentária”, apresentada na Universidade de São Paulo (2008, p.17), a magia criada no seu primeiro cenário no país, em O Canto da Cotovia, acontecia quando surgiam em cena inesperadamente, os vitrais de uma catedral. Esse efeito ele havia usado na Itália para a troca das cenas de Le Notti Dell 'Ira. Segundo Maria Della Costa, em depoimento dado a pesquisadora  (2008,p. 18), [...] Ele fez um cenário de uma discrição ...De uma beleza...Quando  viajo à Europa eu vejo aqueles vitrais das catedrais, me lembro muito do Gianni. Porque tem cenógrafos que não se importam com o texto e querem apenas que seu trabalho apareça. Mas o Canto da Cotovia entrava no cenário. Tudo de forma simples: papéis coloridos que ele recortou e colou por trás. Quando iluminava ficava um autêntico vitral! [...]
O cenógrafo José Carlos Serroni em entrevista realizada ao Jornal 360º comenta que Gianni Ratto foi um dos pilares da moderna cenografia e direção no teatro brasileiro. Ele esclarece que assim como a montagem Vestido de Noiva, do dramaturgo Nelson Rodrigues, dirigida por Ziembinski, cenografia de Tomás Santa Rosa Júnior, e o TBC-Teatro Brasileiro de Comédia, “Gianni trouxe uma nova forma de pensar o teatro e o espaço da cena. Formou uma geração de atores importantes e deu à cenografia a dimensão de sua importância. Fez também iluminação e nos deixou publicações importantes, com reflexões que nos ajudam compreender melhor o teatro brasileiro dos anos 50 para cá”. 
O desejo de Gianni Ratto em trabalhar no teatro brasileiro, tornou-se evidente, quando dirigiu A Moratória, em 1955, primeira montagem de um texto de Jorge de Andrade e a estreia de Fernanda Montenegro num papel principal. No ano seguinte, trabalhou no TBC. Em 1959, junto com Fernando Torres, Fernanda Montenegro, Ítalo Rossi e Sergio Britto, fundaram a companhia Teatro dos Sete, que entre as montagens destaca-se O Mambembe, de Arthur de Azevedo, que conta a saga de uma trupe teatral que viaja pelo interior do Brasil.
Gianni respondeu com resistência artística ao regime militar. Nesse período, dirigiu os espetáculos Se Correr o Bicho Pega, se Ficar o Bicho Corre, de Oduvaldo Viana Filho e Ferreira Gullar e A Gota d’Água, de Chico Buarque de Holanda e Paulo Pontes. Em 1983, ele elaborou os cenários de PIAF, com direção de Flávio Rangel – parceiro em 12 outros espetáculos – e VARGAS, de Dias Gomes e Ferreira Gullar, ambos em 1983.  
Na década de 90, foi responsável pelo cenário e iluminação das seguintes encenações: A Queda da Casa de Usher, de Philip Glass, Porca Miséria, de Marcos Caruso e Jandira Martini. Nos anos 2000, Ratto assinou o cenário e iluminação dos espetáculos de Ariela Goldmann, dos textos de Bosco Brasil: O Acidente, Novas Diretrizes em Tempos de Paz e O Dia Redentor. Seu talento foi reconhecido por inúmeros prêmios ao longo dos anos, entre eles, o Prêmio Shell, em 2002, por sua contribuição para o teatro brasileiro.

Entrevista em áudio - Ana Pontes:
https://soundcloud.com/rodrigo-coelho-485123515/voz-0021

Entrevista em áudio - Thais Sabbadini:
https://soundcloud.com/rodrigo-coelho-485123515/voz-0011

Para saber mais, acesse: http://gianniratto.org.br/centenario.html ou http://www.funarte.gov.br/brasilmemoriadasartes/acervo/cenario-e-figurino/biografia-de-gianni-ratto/.

Reportagem Rodrigo Coelho

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